Proibição Bíblica de comunicação com os espíritos
“Amados, não creiais a todo espírito, mas provai se os espíritos vêm de Deus". (1 João 4)
Alguns fundamentalistas utilizam a própria Bíblia, livro que consideram como “sagrado”, de forma seletiva e descontextualizada, escolhendo alguns trechos que apresentam proibições que, segundo eles, deveriam ser seguidas fielmente até os dias de hoje, e ignorando por completo outras proibições, contidas na própria Bíblia.
Como justificar esta “seletividade”? Comecemos analisando o capítulo Deuteronômio 18, que fala a respeito da “Proibição de comunicação com os Espíritos”, utilizado como referência para o combate ao Espiritismo.
“Quando entrares na terra que o Senhor teu Deus te der, não aprenderás a fazer conforme as abominações daquelas nações. Entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo a seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; Nem encantador, nem quem consulte a um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; Pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor" (Deuteronômio 18:9-11)”
Se analisarmos o texto cuidadosamente, não apenas com um olhar “religioso” e dogmático, mas sim com uma visão mais ampla do contexto histórico, veremos que tal proibição teve um propósito bastante específico e foi aplicada em um determinado momento da história do povo Judeu, assim como todas as outras proibições que veremos neste capítulo.
O Deuteronômio foi escrito em uma época em que o povo judeu realmente necessitava de uma disciplina muito rígida, pois ainda traziam hábitos adquiridos do período em que estiveram escravos no Egito, entre eles a consulta a “necromantes” , que eram pessoas que faziam evocação dos mortos com o objetivo de “adivinhar” o futuro e, através deste artifício, enganavam e exploravam o povo da época, como ainda acontece hoje em dia, onde é possível encontrar pessoas más intencionadas que desenvolvem tal atividade. Dentro deste contexto, naquela época Moisés proibiu o povo judeu de buscar a comunicação com os mortos.
A Bíblia não proíbe a comunicação com os espíritos de uma forma genérica. Podemos, inclusive, encontrar na própria Bíblia uma passagem que contém uma orientação a respeito dos cuidados que devemos ter nesta comunicação: “Amados, não creiais a todo espírito, mas provai se os espíritos vêm de Deus; porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo.” (João 4,1)
O trecho acima demonstra claramente que não existe uma condenação à comunicação com os espíritos. Ele apenas nos sugere cautela em tal comunicação, ou seja, que devemos “provar” ou “verificar” se os espíritos com os quais nos comunicamos realmente “vêm de Deus” ou não, isto é, se eles são bons ou maus espíritos.
Aliás, se a comunicação com espíritos fosse algo proibido de forma genérica e universalista, como se explica o fato de encontrarmos na própria Bíblia relatos da comunicação do próprio Jesus com os mortos?
“Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele.” (Mateus 17: 1-3)
Se há então relatos de que o próprio Jesus conversou com espíritos, podemos chegar a duas conclusões:
-
1. A comunicação com o espírito de uma pessoa que já morreu é possível.
-
-
2. Tal comunicação não é algo abominável, do contrário o próprio Jesus não a teria feito.
Outras proibições Bíblicas que são ignoradas pelos fundamentalistas
Analisemos agora outras proibições, também encontradas na Bíblia, algumas inclusive no mesmo capítulo da proibição à comunicação com espíritos, que são convenientemente ignoradas pelos fundamentalistas, pois obviamente não seriam cabíveis nos tempos modernos:
Proibição de fazer a barba e cortar o cabelo: “Não cortareis o cabelo, arredondando os cantos da vossa cabeça, nem danificareis as extremidades da tua barba.” Levítico 19:27
Proibição que as mulheres ensinem ou tenham qualquer autoridade: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio.” 1 Timóteo 2:9-12
Submissão das mulheres: “As mulheres sejam submissas a seus maridos” (Colossenses 3:18)
Pena de morte à mulher que não casou virgem: “...então levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão, até que morra”. . (Deuteronômio 22:20-21)
Pena de morte a quem trabalha aos sábados: "Quem trabalha aos sábados merece ser morto. "Em seis dias qualquer trabalho poderá ser feito, mas o sétimo dia lhes será santo, um sábado de descanso consagrado ao Senhor. Todo aquele que trabalhar nesse dia terá que ser morto" (Êxodo 35:02)
Proibição aos portadores de deficiência de entrarem nos santuários: “Nenhum homem que tenha algum defeito poderá aproximar-se: ninguém que seja cego ou aleijado, que tenha o rosto defeituoso ou o corpo deformado; ninguém que tenha o pé ou a mão defeituosos, ou que seja corcunda ou anão, ou que tenha qualquer defeito na vista, ou que esteja com feridas purulentas... contudo, por causa do seu defeito, não se aproximará do véu nem do altar, para que não profane o meu santuário” (Levítico 21: 17 - 21)
Proibição aos filhos não legítimos ou a pessoas com problemas nos órgãos genitais de entrarem nas igrejas: “Aqueles que tiverem seus testículos esmagados, ou cortado o membro viril, não entrarão na congregação do SENHOR. Nenhum bastardo entrará na congregação do Senhor; nem ainda a sua décima geração entrará na congregação do Senhor. (Deuteronômio 23:1-2)
Pena de morte a filhos rebeldes: “Quando alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedecer à voz de seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando-o eles, lhes não der ouvidos,
Então seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua cidade, e à porta do seu lugar; E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz; é um comilão e um beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra; e tirarás o mal do meio de ti, (Deuteronômio 21:18-21)
Então questionamos: Por que as proibições apresentadas acima são ignoradas e a proibição contida em Deuteronomio 18, relacionada à comunicação com os espíritos, deve ser fielmente obedecida?
Na verdade, o que vemos é uma “escolha seletiva”, feita pelos fundamentalistas, dos trechos bíblicos que lhes convém defender. Evidentemente, na sociedade moderna, seria muito difícil convencer os fiéis a apedrejarem seus filhos rebeldes até a morte, ou as mulheres modernas a serem submissas aos homens, ou as autoridades a executarem as pessoas que não trabalhassem aos sábados.
Mulheres que não se casassem virgens também não seriam apedrejadas; deficientes físicos não poderiam ser proibidos de entrarem em templos religiosos. Então, como a sociedade moderna jamais aceitaria a aplicação destas leis antigas e cruéis, os fundamentalistas “abrem uma exceção” em sua interpretação literal da Bíblia, afirmando que tais passagens eram válidas apenas na época de Moisés.
No entanto, o capítulo Deuteronômio 18 deve ser convenientemente interpretado de forma literal, para assim fornecer um argumento “embasado” na Bíblia, na tentativa de se tentar justificar uma “condenação” ao Espiritismo e à comunicação com os espíritos. Porém, como vimos, tal proibição bíblica, assim como todas as demais, está totalmente fora de contexto e não pode ser generalizada e, caso devesse ser generalizada, então todas as outras proibições bíblicas também deveriam, levando o mundo todo de volta à era primitiva.
De tudo o que foi exposto conclui-se que a Bíblia não é um livro que deve ser seguido literalmente. Pelo contrário, devemos ser capazes de enxergar na mesma o conteúdo “disciplinar” contido no Velho Testamento, que é constituído de Leis severas e reguladoras aplicáveis ao povo judeu naquela época, e que não são aplicáveis hoje em dia.
É essencial o uso do discernimento, da racionalidade e da lógica para que possamos extrair deste livro milenar sua verdadeira essência, sem incoerências, contradições nem manipulações motivadas por motivos religiosos e políticos.