Ilogicidade do Privilégio imerecido
“Um Deus infinitamente justo jamais poderia conceder, a quem quer que seja, qualquer privilégio imerecido”
(F.C. Perini)
Analisaremos neste capítulo a seguinte questão: O que acontece com as pessoas que morrem na infância? Seria justo que alguém recebesse algum privilégio sem qualquer merecimento que o justificasse?
Façamos primeiramente uma pequena analogia para que possamos entender a lógica do raciocínio: Imaginemos uma sala de aula com cem alunos que teriam que estudar durante todo o ano letivo para, ao final do período, submeterem-se a um teste que definiria sua aprovação ou reprovação.
Porém, logo no início do ano, o diretor da escola selecionaria, aleatoriamente, dois ou três destes alunos que receberiam, antecipadamente, a aprovação. Os mesmos não teriam que ficar, como os demais alunos, estudando até o final do período, nem teriam que passar por qualquer avaliação. Seriam retirados da sala de aula e iriam diretamente para uma “sala especial”, onde ficariam aguardando os aprovados, que se juntariam a eles no final do período.
Analisemos: O critério aplicado nesta analogia foi justo? Bem, se analisarmos o conceito de Justiça (“a virtude que consiste em dar a cada um de acordo com seu merecimento"), obviamente chegaremos à conclusão de que não houve um critério justo, pois se alguém recebe algo que não merece, então não há justiça.
Desta forma, podemos afirmar que tal procedimento não foi justo, pois:
1. Não houve qualquer critério que diferenciasse, no grupo de alunos, quais seriam os “selecionados”, justificando assim o recebimento de tal privilégio.
2. Não foi observado o princípio da igualdade, uma vez que, no início, todos os alunos tinham o mesmo grau de merecimento e, portanto, todos mereceriam ser automaticamente “aprovados”, ou então todos necessitariam estudar até o final do período e passar rigorosamente pelo mesmo teste que definiria sua aprovação ou não.
-
Agora voltemos à pergunta principal deste capítulo: “O que acontece com aqueles que morrem na infância?” As religiões Cristãs tradicionais respondem que, nestes casos, as almas de tais crianças seriam automaticamente “salvas” e iriam diretamente para o “céu”.
Porém, seguindo a mesma linha de raciocínio utilizada na analogia dos alunos anteriormente apresentada, colocamos a seguinte questão: Seria justo que alguns recebessem este privilégio, ou seja, ganhassem de presente a “salvação eterna”, sem que nada tivessem feito para merecê-lo, enquanto todos os demais, ou seja a grande maioria das pessoas, teria que passar por uma vida inteira para fazer jus à mesma “salvação”, correndo, inclusive, o risco de perde-la?
Neste caso, poderíamos perfeitamente dizer que aqueles que morrem na infância seriam “afortunados”, pois conseguiriam um caminho “direto” para o paraíso, sem nada precisarem fazer para receber tal privilégio, enquanto os demais não teriam tanta sorte pois, para conseguir atingir o mesmo privilégio, teriam que se esforçar duramente durante toda sua vida. Estaríamos assim então submetidos simplesmente a uma Lei de “sorte” ou “azar”? Onde estariam os critérios da Justiça Divina?
Se assim fosse, então seria possível a situação de um pai que, desejando que seu filho fosse para o “paraíso”, o matasse ainda criança. Então, antes de morrer, tal pai poderia arrepender-se e, desta forma, seria perdoado e também iria para o paraíso, onde encontraria seu filho. Tal situação é obviamente completamente ilógica e pode inclusive parecer completamente absurda, mas, de acordo com a teoria que as doutrinas cristãs tradicionais defendem, baseada na interpretação literal da Bíblia, seria exatamente isso o que ocorreria, uma vez que, segundo tais doutrinas, ao arrepender-se antes da morte uma pessoa recebe o perdão total de seus pecados.
Analisando ainda mais profundamente esta questão, observamos, no dia a dia, diversas situações que demonstram como seria completamente ilógico se existisse apenas uma vida. Por exemplo, vemos casos de crianças que nascem com graves problemas de saúde, e passam por sofrimentos terríveis ainda no hospital, vindo a morrer com apenas alguns dias ou semanas de idade. Neste caso então, de acordo com a doutrina defendida pelas doutrinas Cristãs tradicionais:
1. As crianças já teriam nascido “em pecado” (Pecado Original), “justificando” assim seu sofrimento mesmo sem merecimento.
2. Em seguida, ao morrerem, iriam direto ao “paraíso”, recebendo então um privilégio igualmente sem merecimento.
-
Desta forma observamos, em tal teoria uma dupla ilogicidade e não encontramos nenhum critério coerente que pudesse oferecer uma explicação consistente dentro dos princípios da lógica e da justiça.
Princípio da igualdade
Pelo princípio da igualdade, indivíduos com o mesmo grau de merecimento devem receber de forma rigorosamente igual. Partindo do pressuposto de que houvesse apenas uma vida, e de que todos fossem criados no momento da concepção ou do nascimento, todos teriam então rigorosamente o mesmo grau de merecimento.
Neste caso, se Deus escolhesse “aleatoriamente” algumas crianças para, através de sua morte prematura, irem diretamente para o céu e receberem sua “salvação eterna”, estaria praticando um critério de absoluta desigualdade em relação aos demais, que necessitariam passar por toda uma vida para conseguir sua salvação. Deus estaria então, ao deixar de praticar o critério de igualdade, sendo injusto.
Análise do argumento lógico:
Premissa 1: Deus é infinitamente justo.
Premissa 2: É impossível conciliar o conceito de Justiça com a concessão de um privilégio imerecido.
Conclusão: A teoria de que aqueles que morrem na infância iriam para o céu é inconsistente, pois Deus estaria concedendo um privilégio imerecido e, desta forma, sendo injusto.
Para refutarmos o argumento acima, precisaríamos demonstrar que pelo menos uma das premissas é falsa ou que as premissas não levam à conclusão, ou seja, precisaríamos realizar pelo menos uma das opções abaixo:
1. Demonstrar que a premissa 1 é falsa: Precisaríamos demonstrar que Deus não é infinitamente justo, ou seja, que poderia possuir falhas em sua Justiça, o que é inadmissível se considerarmos Deus como infinitamente Perfeito.
2. Demonstrar que a premissa 2 é falsa: Precisaríamos neste caso demonstrar que é possível conciliar a concessão de um privilégio imerecido com o conceito de Justiça, o que é obviamente inadmissível, uma vez que isto violaria o conceito de Justiça, que é dar “a cada um conforme seu merecimento”.
3. Demonstrar que as premissas não conduzem à conclusão: Não é possível questionar a inferência lógica entre as premissas, pois, se Deus é Justo (premissa 1), e não é possível conciliar a concessão de um privilégio imerecido com o conceito de Justiça (premissa 2), deduz-se inequivocamente que Deus jamais poderia conceder privilégios imerecidos, pois, assim procedendo, estaria sendo injusto.
-
Portanto, o argumento acima pode ser considerado válido e consistente, pois suas premissas são verdadeiras e há uma inferência lógica entre as mesmas que levam à conclusão, demonstrando assim a ilogicidade da teoria de que indivíduos pudessem receber o privilégio de uma “salvação eterna” por terem morrido ainda crianças.
Lei do merecimento através da Reencarnação
A Reencarnação nos apresenta uma perspectiva muito mais ampla, capaz de explicar com enorme coerência a questão das mortes prematuras: A história do Espírito não está limitada a apenas uma vida!
A jornada para a evolução espiritual é longa e escrita no decorrer de inúmeras vidas. Cada vida material é apenas um ciclo, um período de tempo extremamente curto na vida do espírito.
Portanto, a morte prematura, sob a ótica da Reencarnação, não dá ao espírito qualquer tipo de privilégio não merecido!
O espírito que em uma vida ocupou o corpo de uma criança e morreu prematuramente, terá a possibilidade de reencarnar novamente e estará, assim como todos, sem exceção, submetido à inexorável Lei de “Causa e Efeito”, pois esta Lei natural é a grande representante da Justiça Divina.
O espiritismo oferece uma explicação lógica para a questão das mortes prematuras. No “Livro dos Espíritos”, pergunta 199, temos a seguinte resposta: "A duração da vida da criança pode ser, para seu Espírito, o complemento de uma vida interrompida antes do tempo devido, e sua morte é frequentemente uma prova ou uma expiação para os pais”
Desta forma, a doutrina reencarnacionista nos oferece sempre uma explicação lógica, através da qual podemos enxergar a Justiça infinita do Criador. Para todo e qualquer efeito há uma causa que o justifique. E o mesmo ocorre no caso das mortes prematuras. Então não há nem privilégio imerecido para o espírito que morreu na infância, tampouco injustiça para os pais que perderam o filho, pois na Lei de Deus nada acontece por acaso, ou fora da Lei de Causa e efeito. Deus é infinitamente justo e misericordioso
Concluímos assim que a Reencarnação é a única doutrina capaz de oferecer uma explicação racional e consistente sobre a morte prematura de crianças.