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 Ilogicidade do arrependimento Divino

“Deus não mente nem se arrepende; pois não é homem para que se arrependa” (1 Samuel 15:29) 

As religiões cristãs tradicionais, que se baseiam em uma interpretação literal da Bíblia, defendem a visão de um Deus antropomórfico, ou seja, um Deus que possui características emocionais semelhantes aos seres humanos, podendo o mesmo vir a ofender-se, sentir raiva e até mesmo arrepender-se de seus atos.

 

Neste capítulo analisaremos a ilogicidade em sustentar que um ser Infinitamente Perfeito pudesse, assim como um ser humano, vir a “arrepender-se” de suas ações.

Se estudarmos o sentido da palavra “arrependimento”, veremos que ela significa o “remorso” ou a “tristeza” por ter feito uma determinada ação que, posteriormente, admitimos não ter sido a mais correta. Quando nos arrependemos, se pudéssemos voltar atrás, agiríamos de forma diferente. Desta forma, podemos dizer que tal ação praticada, que gerou o “arrependimento”, não pode ser considerada uma ação perfeita, pois, se assim fosse, jamais nos arrependeríamos tê-la praticado. Podemos então concluir que “Uma ação perfeita jamais pode gerar arrependimento”

 

Portanto, supor que um Ser absolutamente Perfeito possa arrepender-se de suas ações é coloca-lo em um patamar inferior, de imperfeição. Se todas as ações de Deus são sábias e perfeitas, é inconsistente afirmar que Ele pudesse vir a arrepender-se. Somente haveria sentido que Deus se arrependesse caso Ele pudesse cometer ações imperfeitas, porém, neste caso, teríamos que considera-lo “imperfeito”, o que é absolutamente contraditório.

A Bíblia, como demonstramos na Parte II deste trabalho, no capítulo “Contradições Bíblicas”, apresenta uma visão totalmente contraditória a respeito do assunto. Em alguns trechos, afirma que Deus “Jamais se arrepende”:

 

(1 Samuel 15:29) “Aquele que é a Glória de Israel não mente nem se arrepende; pois não é homem para que se arrependa”

(Números 23:19) “Deus não é homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa. e em outros que Ele pode se arrepender”.

 

Os trechos acima são muito claros em afirmar que Deus “não é homem para que se arrependa”, ou seja, não poderia jamais arrepender-se, pois se assim o fizesse seria tão imperfeito como um ser humano. No entanto, em outros trechos, afirma claramente que Deus se arrependeu, evidenciando assim uma contradição inquestionável:

 

“Então o Senhor se arrependeu do mal que dissera havia de fazer ao seu povo.” (Êxodo 32:14)

 

 “Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra, e isso lhe pesou no coração (...) pois me arrependo de os haver feito.” (Gênesis 6:6-7)

 

 “Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria, e não o fez.” (Jonas 3:10)

 

 “E o Senhor se arrependeu de haver posto a Saul rei sobre Israel.” (1 Samuel15:35

 

Como já vimos no capítulo “Noções básicas de Lógica”, o princípio lógico da “Não contradição” demonstra que algo não pode “SER” e “DEIXAR DE SER” simultaneamente. Portanto dizer que “Deus se arrepende” e que “Deus não se arrepende” representa obviamente uma contradição lógica explícita.

 

Por outro lado, os trechos que indicam situações onde Deus teria “mudado” de ideia ou se arrependido de ter feito ou quase ter feito algo, entram em contradição direta com o atributo da imutabilidade de Deus, expresso na própria Bíblia: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes.” (Tiago 1.17). Ora, se Deus não muda como “sombras inconstantes”, em hipótese alguma poderia mudar de ideia ou arrepender-se de qualquer coisa.

Muitos fundamentalistas tentam, para justificar tais contradições, “alterar” o sentido do termo “arrependimento”, apresentando uma “teoria”onde dizem que Deus pode arrepender-se, porém o arrependimento de Deus, apresentado nos trechos citados, é “diferente” do arrependimento dos homens. O arrependimento dos homens seria em função de seus erros, porém o arrependimento de Deus teria outro significado, ou seja, seria uma atitude derivada da “compaixão” e da “misericórdia”.

Porém esta teoria é completamente inconsistente, pois “Arrependimento” e “misericórdia” têm dois sentidos completamente diferentes. Podemos verificar isto claramente ao analisar os trechos em que o termo “arrepender-se” foi utilizado na Bíblia:

Deus se arrepende de ter ameaçado destruir o povo de Israel 

   

“Disse o Senhor a Moisés: “Tenho visto que este povo é um povo obstinado. Deixe-me agora, para que a minha ira se acenda contra eles, e eu os destrua. Depois farei de você uma grande nação”.

 Moisés, porém, suplicou ao Senhor...E sucedeu que o Senhor arrependeu-se do mal que ameaçara trazer sobre o povo."( Êxodo 32)

No trecho acima, está claramente exposto que Deus iria lançar sua “ira” sobre o povo de Israel, porém, em função das súplicas e argumentos de Moisés, decidiu não mais destruir seu povo, ou seja, claramente “mudou de ideia”. Embora esteja “implícito” no texto que Deus teve misericórdia dos israelitas, o verbo “arrepender-se” não está associado ao “sentimento de misericórdia”, mas sim à ação que Deus iria realizar, ou seja, ao “mal que havia ameaçado de fazer ao povo”. Então Deus “arrependeu-se” da ação que iria fazer e, ao não fazê-la, foi misericordioso. A misericórdia então foi uma consequência de seu arrependimento. Se Ele não tivesse se arrependido, não teria misericórdia.

No início do texto, vemos que Deus já havia tomado a decisão de destruir o povo de Israel, mas em função da argumentação de Moisés, cancelou sua decisão. Ao fazer isso, deduz-se que o que Deus iria fazer não seria o correto, portanto ele mudou de ideia e fez o que seria correto, ou seja, perdoar os Israelitas. O que chama a atenção é que o texto mostra que Deus quase praticou um “mal” e, portanto “arrependeu-se” do mal que quase chegou a praticar.

 

Ainda de acordo com o texto, Moisés “lembra” ao próprio Deus um juramento que Ele mesmo havia feito: “Lembra-te dos teus servos Abraão, Isaque e Israel, aos quais juraste por ti mesmo: ‘Farei que os seus descendentes sejam numerosos como as estrelas do céu e lhes darei toda esta terra que lhes prometi, que será a sua herança para sempre". A argumentação de Moisés então foi “convincente”, pois, caso Deus destruísse o povo israelita, como já havia dito que o faria, estaria entrando em contradição com um Juramento que Ele mesmo havia feito!

 

Além disso, lembremos que na própria Bíblia encontramos uma passagem que diz que Deus “jamais praticaria o mal”: “O verdadeiro Deus jamais faria o que é mau, o Todo-Poderoso nunca faria o que é errado!” (Jó 34:10). Ora, se Deus jamais faria o que é mau, como poderia ameaçar de fazê-lo? Incrível sucessão de contradições!

Analisemos abaixo as várias ilogicidades:

1. Deus, um ser infinitamente bom e pacífico, estava prestes a “lançar sua ira” sobre um povo, destruindo-o.

   

Se Deus é infinitamente bom e pacífico, não causaria morte e destruição nem se vingaria principalmente sobre inocentes (crianças e animais)

 

2. Um ser humano (Moisés), através de suas súplicas e seus argumentos, conseguiu fazer com que Deus mudasse de ideia e não mais destruísse seu povo

   

A imutabilidade é uma dos atributos Divinos. Se Deus é perfeito e imutável, não estaria sujeito a mudar uma decisão que já havia tomado. A própria Bíblia confirma a imutabilidade de Deus: “Porque eu, o Senhor, não mudo” (Malaquias 3:6)

 

3. Deus, um ser perfeito, arrepende-se do mal que quase praticou

Se Deus é perfeito, jamais teria sequer a possibilidade de cometer quaisquer tipos de maldades, portanto, jamais poderia arrepender-se de quase ter cometido uma ação má.

 

O medo sempre foi uma poderosa ferramenta utilizada pelo poder Político-Religioso para o controle das massas desde a antiguidade. Por isso todos os governantes sempre se apresentavam com uma autoridade “divina”, dizendo que recebiam ordens do próprio Deus. Esta concessão Divina lhes dava uma autoridade totalmente inquestionável e todos o obedeciam cegamente, pois assim estavam obedecendo ao próprio Deus.

O trecho acima é um exemplo disso. Moisés estava perdendo o controle sobre seu povo, que começava a adorar imagens e a ceder a influências de outras crenças, que cultuavam outros deuses. Então, dizer ao povo que Deus iria destruí-los caso não voltassem a obedecê-lo, representou um argumento  muito forte para que voltassem a obedecer às Leis religiosas que o mantiveram unidos por tanto tempo. E este era o único argumento que o povo daquela época entenderia: O medo da Ira Divina!

Deus se arrepende de ter criado o homem

 “O Senhor viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e que toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal. Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e isso cortou-lhe o coração. Disse o Senhor: “Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, os homens e também os grandes animais e os pequenos e as aves do céu. Arrependo-me de havê-los feito” (Gênesis 6:6-7) .

No trecho acima está claramente exposto que é impossível associar o verbo “arrepender-se” a “misericórdia” ou “compaixão”, como defendem aqueles que tentam justificar a incoerência do arrependimento Divino, dizendo que “Deus tem um tipo diferente de arrependimento”. Observemos: No texto Deus não está expressando misericórdia, muito pelo contrário. Está dizendo que “fará desaparecer da face da Terra o homem e os animais que criou”. A passagem “Arrependo-me de havê-los feito” indica um “pesar”, ou seja, que Deus “lamenta” ter criado o homem, mostrando então que “não deveria tê-lo criado”, ou seja, que sua criação foi um erro.

 

Então o sentido de “arrepender-se” é o seu sentido real, como o conhecemos, ou seja, “arrepender-se de ter cometido uma ação imperfeita”. O texto demonstra claramente que Deus ficou “chateado” ou “magoado” com a inclinação do homem para o mal e, por isso, arrependeu-se de tê-lo criado, da mesma forma como qualquer pessoa pode arrepender-se de ter cometido um equívoco. A expressão “Arrependo-me de havê-los feito” não permite outra interpretação. Desta forma não é cabível qualquer alteração de contexto como tentativa de justificar tal contradição.

Deus se arrepende de ter posto Saul como rei

Arrependo-me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir, e não cumpriu as minhas palavras.” (1 Samuel 15:11)

O trecho acima mostra claramente o arrependimento de Deus com o sentido de “pesar” de ter feito uma ação que demonstrou vir a ser uma ação imperfeita, ou equivocada. Imaginemos uma situação semelhante: O dono de uma empresa coloca um funcionário responsável pelas finanças, porém posteriormente constata que o mesmo começou a desviar dinheiro. Então ele se arrepende de tê-lo colocado em tal cargo e o demite. O sentido é exatamente o mesmo que encontramos na frase extraída do texto bíblico.

Porém, os defensores do “arrependimento Divino” dizem que, no caso de Deus, precisamos fazer uma “interpretação diferente”. Segundo eles, o arrependimento aqui teria que ser interpretado como “tristeza”. Então seria como se Deus tivesse dito: “Entristeço-me por Saul ter pecado; é hora de encontrar outro rei” . Incrível como, para justificar ilogicidade de um argumento, tenta-se, a todo custo, deturpar o sentido do texto para “mascarar” a contradição nele explícita. Ora, mesmo usando o verbo “entristecer” na frase, o sentido lógico continua o mesmo:

1. Deus colocou Saul como rei

2. Saul deixou de obedecê-lo

3. Deus precisou destituir Saul do posto de rei

A conclusão lógica fundamental do texto é apenas uma: “Colocar Saul como um rei foi um equívoco, uma ação imperfeita!". Se não fosse assim, não haveria necessidade em removê-lo. E esta conclusão lógica não é absolutamente alterada quer utilizemos o verbo “arrepender-se” ou “entristecer-se”. O fato é que, arrependido ou entristecido, Deus, de acordo com o texto, fez uma ação que posteriormente Ele mesmo percebeu não ter sido uma ação perfeita e precisou fazer algo para corrigi-la. Isto demonstra a ilogicidade da mesma, pois jamais poderíamos admitir que um Deus perfeito pudesse praticar uma ação imperfeita e, muito menos, arrepender-se da mesma.

 

Análise do argumento lógico:

Premissa 1: Deus é infinitamente perfeito, portanto todas as suas ações são, igualmente, infinitamente perfeitas.

Premissa 2: Arrependimento é um sentimento de tristeza causado pela pratica de uma ação imperfeita.

Conclusão: Sendo Deus infinitamente perfeito, jamais poderia praticar uma ação imperfeita. Portanto, jamais poderia arrepender-se.

Para refutarmos o argumento acima através da lógica, precisaríamos demonstrar que pelo menos uma das premissas é falsa ou que as premissas não levam à conclusão, ou seja, precisaríamos realizar pelo menos uma das opções abaixo:

 

Demonstrar que a premissa 1 é falsa: Precisaríamos sustentar que Deus não é perfeito e que poderia cometer erros, ou seja, ações que não fossem perfeitas, o que é inadmissível.

Demonstrar que a premissa 2 é falsa: Precisaríamos questionar o sentido da palavra “arrependimento”, o que obviamente não é possível pois o significado da mesma é bastante claro. O arrependimento surge em função da tristeza ou remorso por ter cometido uma ação imperfeita. Uma ação perfeita jamais geraria arrependimento.

Demonstrar que as premissas não conduzem à conclusão: O que não é o caso, pois, se Deus é perfeito e jamais comete erros (Premissa 1) e o arrependimento é causado pela prática de uma ação imperfeita (Premissa 2), deduz-se, de forma inequívoca, que Deus jamais poderia arrepender-se, uma vez que, sendo infinitamente Perfeito, jamais poderia praticar ações imperfeitas.

Portanto, o argumento acima é válido e consistente e demonstra que a teoria do arrependimento Divino não tem qualquer consistência lógica.

O arrependimento Divino sob a ótica Espirita

Os trechos Bíblicos estudados neste capítulo são excelentes exemplos de que não se deve seguir um livro “ao pé da letra” ou “cegamente”. Como demonstrado ao longo deste trabalho, os líderes políticos nos tempos antigos sempre se impunham como “representantes diretos de Deus” para poderem, assim, ter autoridade total sobre o povo em uma época em que era muito difícil governar, pois existiam muitos clãs e tribos diferentes, e não existia uma constituição ou sistema de leis que fossem respeitadas por todos.

Portanto, somente através da análise lógica podemos distinguir os trechos “fictícios”, criados por razões políticas, que vão de encontro a todo e qualquer senso de moralidade e racionalidade ou que são contraditórios em si mesmos.

Sob a ótica Espirita inexiste qualquer possibilidade de “Arrependimento Divino”, uma vez que ela nos oferece a visão de  Deus como sendo uma Inteligência Superior completamente diferente do “Deus antropomórfico” apresentado pelas religiões cristãs tradicionais.

Dentro desta concepção, Deus, a Suprema inteligência criadora, em sua infinita sabedoria,  está em um patamar infinitamente superior de perfeição, não estando sujeito ao arrependimento ou a qualquer uma das imperfeições humanas.

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