Princípio de Proporcionalidade das Penas
“O critério de proporcionalidade das penas deve levar em consideração a gravidade do delito praticado para a aplicação de uma pena rigorosamente proporcional ao mesmo. Se a Justiça Divina aplicasse um dia a mesma pena a um grupo de pessoas (Punição eterna), sem qualquer distinção da gravidade dos delitos praticados por cada um, estaria deixando de aplicar o critério de proporcionalidade, e não poderia jamais ser considerada perfeita.” (F.C. Perini)
O princípio da proporcionalidade desempenha importante função em qualquer sistema penal, pois é o fundamento para a diferenciação das penas, de acordo com a gravidade de cada delito. Sem tal princípio, poderíamos afirmar que as penas seriam injustas, e o sistema de Justiça seria imperfeito.
Utilizando um exemplo bem simples e compreensível: Imaginemos que três criminosos fossem levados perante um juiz, cada um deles respondendo por um crime. O primeiro roubou um lápis, o segundo cometeu um estupro e o terceiro assassinou várias pessoas. Perguntamos: Seria justo que o juiz atribuísse exatamente a mesma pena para os três, sem levar em consideração a gravidade dos delitos? Evidentemente que não. O conceito de Justiça é dar a cada um de acordo com seu merecimento. Obviamente, uma pessoa que “roubou um lápis” não merece a mesma punição que um assassino ou um estuprador. Sendo assim, para que haja Justiça é necessária a aplicação de uma pena proporcional à gravidade do delito.
Analisando a interpretação das Doutrinas Cristãs tradicionais, baseada na crença da existência de uma única vida e na condenação eterna, a aplicação de uma pena proporcional à gravidade do delito simplesmente não existiria, pois, segundo tal crença, todos os que fossem condenados seriam submetidos exatamente à mesma pena: A condenação eterna!
Os defensores de tais doutrinas argumentam que, como Deus é eterno, os pecados cometidos contra Ele mereceriam uma “punição eterna”, sendo assim, todos os que fossem condenados receberiam a mesma punição. No entanto tal argumentação possui uma contradição implícita, conforme já abordamos no capítulo “Ilogicidade das penas eternas”: Se Deus é Eterno, então suas virtudes também são Eternas. Sendo assim, o perdão, uma de suas virtudes, também é eterno, ou seja, “jamais poderá deixar de existir”. Portanto, se Deus um dia “condenasse eternamente”, Ele estaria “deixando de perdoar eternamente”, ou seja, seu perdão deixaria de ser eterno e infinito!
Esta argumentação portanto demonstra ser totalmente inconsistente, pois viola o princípio lógico da “Não contradição”, ou seja: O perdão de Deus não pode ser “infinito” e “finito” ao mesmo tempo. Se o perdão Divino é infinito, Deus jamais, nem sequer por um milésimo de segundo, poderia deixar de perdoar. Ao aplicar uma condenação eterna, Deus teria um perdão “finito”, o que o tornaria imperfeito.
Além da contradição evidente, segundo tal teoria, a Justiça Divina, que consideramos infinitamente perfeita, não possuiria um dos critérios mais básicos da Justiça, que é a aplicação de penas proporcionais à gravidade do delito cometido.
Desta forma, encontraríamos discrepâncias insustentáveis: Pessoas que seriam condenadas por não terem de alguma forma “merecido” a salvação, ou não terem “aceitado Jesus como seu salvador”, embora não tivessem sido pessoas ruins, seriam colocadas ao lado de outros condenados que realmente foram maus: assassinos, ladrões e estupradores, por toda a eternidade?!
Tiranos como Hitler, Stalin e outros semelhantes que foram responsáveis pela morte, tortura e sofrimento de milhões de pessoas, estariam recebendo exatamente a mesma pena de uma pessoa que jamais teria cometido um crime sequer e poderia inclusive ter sido uma pessoa boa, amorosa e honesta, mas que não teria atingido os “requisitos” necessários para salvação?
É absolutamente ilógico sustentar que um Deus infinitamente perfeito pudesse deixar de ter qualquer critério que diferenciasse um assassino ou estuprador de uma pessoa comum, aplicando a todos os “condenados” a mesma pena, sem levar em consideração a gravidade de seus “pecados”. Desta forma, Deus não estaria aplicando o conceito de "a cada um segundo as suas obras", pois este conceito pressupõe uma justiça proporcional às ações de cada um. Sem esta proporcionalidade, esta frase não teria nenhum sentido.
Sem ter como sustentar tal ilogicidade, muitos fundamentalistas afirmam que Deus tem uma justiça “diferente” da justiça humana. É perfeitamente aceitável dizer que a Justiça de Deus é diferente, porém não é aceitável dizer que a Justiça Divina possa ser inferior, ou mais imperfeita que a justiça humana. Tal Justiça pode ser diferente, mas com certeza será mais perfeita que a nossa Justiça terrena. Portanto, se a própria Justiça humana possui o critério da proporcionalidade, que aplica a cada um uma punição proporcional aos erros cometidos, não é possível admitir que a Justiça Divina deixasse de possuir um critério tão básico e elementar.
O fato de Deus ser “eterno” não é uma justificativa para que o mesmo pudesse ser injusto, radical e vingativo, ou possuísse quaisquer falhas em seu Sistema de Justiça. Precisamos considerar que Deus não é apenas “eterno”, mas também “eternamente perfeito” e, sendo assim, Ele é eternamente misericordioso, não possuindo qualquer falha em suas virtudes.
Após esta breve consideração sobre o conceito de proporcionalidade das penas, vamos começar nossa análise lógica:
1.A Justiça de Deus é perfeita?
Com certeza! Se pressupormos que o Divino Criador é um ser infinitamente perfeito, sua justiça, por consequência, é absolutamente perfeita e isenta de quaisquer tipos de falhas e imperfeições.
2. Pode haver Justiça perfeita sem a aplicação de uma pena proporcional à gravidade do delito?
Uma vez que conceito básico de Justiça é “a virtude que consiste em dar a cada um de acordo com seu merecimento”, a Justiça jamais pode deixar de levar em consideração a gravidade do delito, como base para a aplicação de uma penalidade rigorosamente proporcional a tal gravidade. Sem este critério, a Justiça não pode jamais ser considerada perfeita.
Análise do argumento lógico
Premissa 1: A Justiça Divina é perfeita.
Premissa 2: Não há justiça perfeita sem a aplicação de penas proporcionais à gravidade de cada delito, dando a cada um rigorosamente de acordo com seu merecimento.
Conclusão: A teoria das “Penas eternas” é logicamente inconsistente pois, segundo a mesma, a Justiça Divina deixaria de aplicar a conceito da proporcionalidade das penas.
Para refutarmos o argumento anterior pelas regras da lógica, precisaríamos demonstrar que pelo menos uma das premissas é falsa ou que as premissas não levam à conclusão, ou seja, precisaríamos realizar pelo menos uma das opções abaixo:
1. Demonstrar que a premissa 1 é falsa: Precisaríamos demonstrar que a Justiça Divina não é perfeita, o que, para os que admitem a existência de um Criador Inteligente e Infinitamente Perfeito, é inadmissível.
2. Demonstrar que a premissa 2 é falsa: Precisaríamos demonstrar que é possível haver justiça mesmo sem a aplicação de penas proporcionais à gravidade do delito, o que, conforme analisamos anteriormente, é completamente incabível.
3. Demonstrar que as premissas não conduzem à conclusão: A conclusão é uma dedução automática das premissas: Se a Justiça Divina é perfeita (premissa 1) e não há justiça perfeita sem a aplicação de penas proporcionais à gravidade do delito (premissa 2), concluímos inequivocamente que a Justiça Divina não poderia jamais possuir tal falha, aplicando em um suposto “Dia do Juízo”, a mesma pena a todos os que fossem condenados em tal julgamento.
Portanto, a teoria das penas eternas é totalmente inconsistente.
Desta forma, o argumento pode ser considerado válido e consistente, pois suas premissas são verdadeiras e há uma inferência lógica entre as mesmas que levam à conclusão, demonstrando a ilogicidade da teoria da aplicação de uma pena única e eterna.
Reencarnação = Justiça perfeita com critério de Proporcionalidade
Ao estudarmos a doutrina da Reencarnação, jamais encontraremos situações que poderíamos considerar como injustas, como as que encontramos na Teoria das “Penas eternas”, conforme já vimos neste capítulo, onde todos aqueles que fossem condenados receberiam exatamente a mesma pena, não importando quais erros ou “pecados” os mesmos tivessem cometido.
Na lógica da Reencarnação, podemos dizer que realmente há a aplicação de uma Justiça perfeitamente proporcional. Embora não seja apropriado utilizarmos o termo “pena”, pois, pela ótica reencarnacionista, Deus não condena nem aplica punições a ninguém, observamos uma proporcionalidade perfeita que resulta de uma Lei universal: a “Lei de causa e efeito”.
De acordo com esta Lei perfeita e imutável, cada pessoa receberá, infalivelmente, nesta ou nas próximas vidas, na exata proporção de suas ações, sejam elas boas ou ruins, aquilo que ela mesma houver feito, ou seja, rigorosamente “de acordo com suas obras”.
No Livro “O céu e o inferno”, de Allan Kardec, que faz parte da codificação da Doutrina Espírita, encontramos no capítulo VII o “código penal da vida futura”, que fala sobre as consequências dos atos praticados pelos espíritos durante sua existência material. Vejamos a seguir alguns trechos deste código:
“ Não há uma só imperfeição da alma que não acarrete consequências desagradáveis, inevitáveis, e não há uma só qualidade boa que não seja fonte de ventura. A soma das penas é assim proporcional à soma das imperfeições, como a dos gozos é proporcional à soma das boas qualidades.
A alma que tiver, por exemplo, dez imperfeições, sofrerá mais do que aquela que tiver apenas três ou quatro. Quando dessas dez imperfeições só lhe restarem um quarto ou a metade, ela sofrerá menos, e quando nada mais restar, ela nada sofrerá, sendo perfeitamente feliz. É como acontece na Terra: aquele que sofre de muitas doenças padece mais do que o que sofre apenas de uma ou não tem nenhuma. Pela mesma razão, a alma que possui dez qualidades boas goza de mais felicidade que a outra que possui menos.
Em virtude da lei do progresso que dá a toda alma a possibilidade de adquirir o bem que lhe falta, como de despojar-se do que tem de mau, conforme o esforço e vontade próprios, temos que o futuro é aberto a todas as criaturas. Deus não repudia nenhum de seus filhos, antes recebe-os em seu seio à medida que atingem a perfeição, deixando a cada qual o mérito das suas obras."
Como vemos, segundo a Doutrina Espírita, através da Reencarnação há a aplicação de uma perfeita proporcionalidade entre os atos cometidos pelo Espírito durante a vida na Terra e as consequências resultantes destes atos. Tanto o “céu” quanto o “inferno” não são lugares específicos, mas sim estados mentais de cada um.
Existe uma pequena parábola que ilustra perfeitamente este conceito, a “parábola do mestre e do samurai”:
“Havia, no Japão antigo, um samurai muito famoso e muito respeitado devido às suas conquistas na arte da guerra. Já então bastante velho, o samurai, preocupado com a chegada da morte, ouviu falar da existência de um grande mestre, que vivia nas montanhas. Desta forma decidiu procura-lo, e subiu a montanha, juntamente com seus leais soldados, que sempre o acompanhavam.
Quando chegou onde o mestre habitava, vendo-o meditar serenamente embaixo de uma árvore, o samurai, desceu de seu cavalo e dirigiu-se a ele, pedindo que o mesmo lhe explicasse a respeito do “céu” e do “inferno”. O mestre, porém, concentrado em sua meditação, sequer lhe deu atenção. O Samurai então, acostumado a ser sempre prontamente obedecido, começou a irritar-se pela indiferença do mestre e lhe perguntou mais uma vez, não obtendo, novamente, nenhuma resposta.
O samurai então, completamente encolerizado, empunhou rapidamente sua espada e a levantou sobre a cabeça do mestre, preparando-se para decapita-lo quando o mestre lhe disse: “observa...este é o inferno!”. O Samurai então, admirado com a sabedoria e a coragem do mestre, guardou sua espada e se ajoelhou perante ele, fazendo uma respeitosa reverência. Então o mestre lhe disse: “...e este é o céu!”.”
Esta simples parábola nos apresenta uma visão muito profunda de uma grande verdade: Nós mesmos criamos, através de nossos pensamentos, palavras e atos, nosso próprio “céu” e nosso próprio “inferno”, e colhemos, ao longo de sucessivas vidas, os resultados de tudo aquilo que plantarmos, porém sempre teremos a chance de nos redimirmos de nossos erros, pois somos espíritos eternos e Deus é infinitamente misericordioso.
Portanto, percebemos que, sob todos os pontos de vista sob os quais analisarmos a questão apresentada neste capítulo, o conceito da Reencarnação representa um sistema muito mais justo e muito mais perfeito do que o conceito das Penas eternas, como podemos ver no resumo abaixo:
Com relação ao Perdão Divino:
-
Penas eternas: Perdão Finito. Deus jamais perdoaria aqueles que fossem condenados, punindo-os com o sofrimento eterno.
-
Reencarnação: Perdão Infinito: Deus perdoa infinitamente, concedendo infinitas chances aos espíritos através de novas vidas.
Com relação à proporcionalidade na aplicação das penas
-
Penas eternas: Justiça imperfeita, sem princípio de proporcionalidade: Deus puniria a todos os condenados com exatamente a mesma pena, a punição eterna.
-
Reencarnação: Justiça perfeita, aplicação rigorosa do princípio da proporcionalidade através da Lei de Causa e Efeito, onde cada um realmente receberá “de acordo com suas obras”, tanto nesta como nas vidas futuras.
Concluindo, além de representar a aplicação de uma Justiça rigorosamente proporcional, a Reencarnação representa também a infinita Misericórdia e Benevolência Divinas, que concede a todos infinitas chances para a reparação de seus erros e a consequente evolução de seus espíritos. Deus pode ser então considerado não um “Juiz vingativo”, mas um Pai amoroso e absolutamente Perfeito, pois seu Perdão é Infinito e sua Justiça é isenta de quaisquer tipos de imperfeições.