Contradições Bíblicas
"A verdade não pode existir em coisas que divergem" (São Jerônimo).
Como já vimos neste trabalho, a “Lei da não contradição” diz que algo não pode “SER” e “NÃO SER” ao mesmo tempo. Desta forma quando duas afirmações anulam a si mesmas, chamamos isto em Lógica de “Contradição”.
Por exemplo: Seria contraditório afirmar que algo é “Infinito” e, em seguida, afirmar que esse algo “tem um fim”. Se algo é infinito, não pode ter fim; se algo tem fim, não pode ser infinito! É completamente Impossível que algo seja finito e infinito ao mesmo tempo!
A Bíblia é a compilação de um conjunto de livros que foram escritos entre os anos de 1 500 A.C. e 450 A.C. (livros do Antigo Testamento) e entre 45 D.C. e 90 D.C. (livros do Novo Testamento), totalizando um período de quase 1600 anos.
Seus textos originais foram escritos em pergaminhos nos idiomas Hebraico e Grego. Ao longo dos séculos, foram feitas cópias à mão das cópias já existentes e assim sucessivamente, até a impressão da primeira Bíblia que ocorreu apenas no ano de 1455, feita por Gutenberg. Como sabemos, histórias antigas, quando recontadas repetidas vezes, acabam recebendo novos elementos que podem acrescentar, abreviar ou até mesmo modificar a história original.
Lembramos uma frase que foi escrita por São Jerônimo, responsável pela famosa tradução da Bíblia para o Latim (Vulgata), No final do século IV, em uma carta ao Papa da época: “A verdade não pode existir em coisas que divergem”. E realmente, não podemos admitir como verdadeiras afirmações divergentes entre si.
Portanto, é necessário muito cuidado, critério e bom-senso quando se estuda a Bíblia pois, por mais que os fundamentalistas que a interpretam de forma literal insistam em negar, ela contém sim inúmeras contradições, que podem ser facilmente comprovadas, conforme demonstraremos a seguir.
1. Deus é da paz ou da guerra?
Paz:
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“E o Deus da paz seja com todos vós. Amém!” (Romanos 15:33)
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”Ele exercerá o seu juízo entre as nações, e repreenderá a muitos povos. Estes converterão as suas espadas em arados e as suas lanças em podadeiras. Não levantará espada nação contra nação, nem aprenderão mais a guerra.” (Isaías 2:4)
Guerra:
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"O Senhor é um guerreiro; o Senhor é o seu nome. "(Êxodo 15:3)
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“Sendo assim, proclamai isto entre as nações: Preparai-vos para a guerra! Convocai os guerreiros! Juntem-se todos os homens de guerra e ataquem! Forjai espadas das relhas dos vossos arados, e lanças das vossas podadeiras; encoraja o fraco, dizendo: “Sou um valente!” (Joel 3: 9-10)
Duas situações contraditórias são apresentadas acima: Na primeira Deus semeia a paz, fazendo com que “espadas sejam transformadas em arados” e “lanças sejam transformadas em podadeiras”. Na segunda, Deus é considerado um “guerreiro”, fazendo exatamente o oposto: Os arados devem ser transformados em espadas e as podadeiras em lanças. Ora, se Deus é da paz, , não é da guerra... se é da guerra, não é da paz!
No entanto, muitos fundamentalistas tentam tais contradições afirmando que deve-se analisar cada trecho bíblico de acordo com o contexto do mesmo, ou seja, em algumas situações Deus precisaria ser um “guerreiro” para combater os inimigos de Israel e, em outras, seria um pacificador.
Tais justificativas seriam admissíveis caso considerássemos Deus sujeito às inconstâncias e imperfeições inerentes aos seres humanos. No entanto, a contextualização é inadmissível se levarmos em consideração alguns conceitos elementares sobre os atributos Divinos:
Perfeição
P
Se Deus é perfeito, possui todas as virtudes em grau infinito! Ora, “O infinito de uma qualidade exclui totalmente a possibilidade da existência de uma qualidade contrária que a diminuiria ou a anularia”. Portanto, Deus é infinitamente pacífico, infinitamente bom, infinitamente amoroso. Não há como Deus ser “infinitamente pacifico” e em um momento tornar-se “guerreiro”, massacrando e matando com crueldade. Não há como Deus ser “infinitamente misericordioso” e praticar a vingança. Se assim procedesse, ainda que por um segundo, suas virtudes de benevolência e misericórdia não poderiam mais ser consideradas infinitas, pois teriam um fim, uma limitação.
Imutabilidade
Seria impossível considerar Deus como sendo infinitamente perfeito se Ele fosse inconstante e sujeito a alterações. A própria Bíblia afirma a imutabilidade de Deus: “Porque eu, o Senhor, não mudo.” (Malaquias 3:6); “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes.” (Tiago 1.17). . Ora, se Deus não muda, como poderia em um momento envolver-se diretamente em guerras, massacrando e semeando morte e destruição, e em outro passar a ser o “Deus da paz”? Caso isto ocorresse, Deus poderia ser considerado inconstante e, consequentemente, imperfeito.
Portanto, não é possível justificar as contradições acima através da contextualização, pois os atributos Divinos são eternos, infinitos e imutáveis, não restritos a um determinado período ou contexto histórico, tampouco sujeitos a sofrer qualquer tipo de mudança ou mutação.
2. Salvação pelas obras ou pela fé?
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Pela Fé:
"
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"Pois é pela graça que sois salvos, por meio da fé – e isto não vem de vós, é Dom de Deus – não das obras, para que ninguém se glorie.” (Efésios 2:8-9)
Pelas obras:
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"Vedes então que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé (...) a fé sem as obras é morta.” Tiago 2:24)
A contradição nos trechos acima é mais do que evidente. O primeiro trecho diz que somos salvos “pela fé e não pelas obras”, ou seja, claramente “exclui” a importância das obras para a se conseguir a salvação. O segundo trecho, no entanto, afirma que o homem é justificado (salvo) não somente pela fé, mas também pelas obras, ou seja, que as obras são essenciais para salvação, pois “a fé sem as obras é morta”.
Assim a lógica nos demonstra que:
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Se o primeiro trecho for verdadeiro, o segundo é falso, ou seja, somente a Fé seria necessária para a salvação.
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Se o segundo trecho for verdadeiro, o primeiro é falso, pois não somente a Fé seria necessária para a salvação, mas também as obras!
3. Deus pode se arrepender?
Não:
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“Aquele que é a Glória de Israel não mente nem se arrepende; pois não é homem para que se arrependa” (1 Samuel 15:29)
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“Deus não é homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa”. (Números 23:19)
Sim:
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“Então o Senhor se arrependeu do mal que dissera havia de fazer ao seu povo.” (Êxodo 32:14)
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“Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra, e isso lhe pesou no coração (...) pois me arrependo de os haver feito.” (Gênesis 6:6-7)
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“Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria, e não o fez.” (Jonas 3:10)
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“E o Senhor se arrependeu de haver posto a Saul rei sobre Israel.” (1 Samuel 15:35)
Na parte I deste trabalho, no capítulo “Análise lógica 10 : Ilogicidade do arrependimento Divino”, é apresentada a análise detalhada deste tema, onde demonstramos, através da lógica, que a hipótese de que um Deus infinitamente perfeito possa arrepender-se é totalmente inconsistente.
A hipótese do “arrependimento Divino” violaria dois atributos: A perfeição e a imutabilidade. Sendo infinitamente Perfeito, Deus jamais cometeria qualquer erro; sendo Imutável, jamais poderia mudar de ideia ou arrepender-se.
Porém, o que questionamos especificamente neste capítulo não é simplesmente “se Deus pode se arrepender ou não”, mas sim o fato de a Bíblia, em algumas passagens, afirmar que “Deus se arrepende” e, em outras, afirmar que “Deus não se arrepende”. Não é possível conciliar duas afirmações antagônicas em um raciocínio lógico, portanto a existência da contradição é totalmente explícita.
4. Os filhos devem pagar pelos erros dos pais?
Sim:
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“Preparai a matança para os filhos, por causa da maldade de seus pais, para que não se levantem, e possuam a terra, e encham o mundo de cidades." (Isaías 14:21)
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“Pois eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração.” (Êx 20:5)
Não:
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“O filho não levará a culpa do pai, tampouco o pai será culpado pelo pecado do filho..” (Ez 18:20
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“Os pais não serão mortos pela culpa dos filhos, nem o filho pela culpa dos pais.” (Dt 24:16)
Aqui encontramos duas visões diferentes, e completamente contraditórias, apresentadas no texto Bíblico. Uma delas diz que os filhos “devem pagar pela maldade dos pais” e outra que afirma que os filhos “não devem pagar pela maldade dos pais”. Como nas contradições anteriores, segundo a lógica, se a primeira afirmação for verdadeira, consequentemente a segunda, sendo-lhe totalmente contrária, será falsa, e vice-versa.
No capítulo “Análise lógica 1: Ilogicidade do Pecado Original”, na parte I deste trabalho, apresentamos toda a argumentação que demonstra a inconsistência lógica da crença no Pecado original, que vai de encontro ao conceito mais básico de justiça que é ”dar a cada um aquilo que lhe pertence”, ou seja, aquilo que é de seu merecimento.
Um sistema de Justiça que fizesse alguém pagar por algo que outra pessoa fez jamais poderia ser considerado um sistema de Justiça perfeito. Se considerarmos Deus um ser absolutamente perfeito, então deduziremos que Ele jamais praticaria tal injustiça, ou poderíamos considera-lo imperfeito.
5. Deus pode praticar o mal?
Não:
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”O Senhor é bom para todos, e as suas misericórdias são sobre todas as suas obras”. (Salmos 145:9)
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“Por isso escutem-me, homens de entendimento: O verdadeiro Deus jamais faria o que é mau. ,O Todo-Poderoso nunca faria o que é errado!” (Jó 34:10)
Sim:
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"Eu formo a luz, e crio as trevas, eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas essas coisas. (Isaías "45:7)
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“Assim diz o SENHOR: Eis que estou forjando mal contra vós; e projeto um plano contra vós; (Jeremias 18:11
Os dois primeiros trechos afirmam categoricamente que Deus é “bom para todos” e que Ele “jamais faria o que é mau”. Os dois últimos trechos afirmam exatamente o contrário: Que Deus “cria o mal”, que “forja o mal”. Afirmações totalmente antagônicas e contraditórias.
Uma vez mais, não podendo ocultar nem refutar as óbvias contradições claramente explícitas no texto bíblico, alguns fundamentalistas tentam desqualificar o sentido da palavra “mal”. Dizem que , neste caso, trata-se de um “mal diferente”, relacionado à “punição”. Porém mais uma vez as “tentativas de desqualificação” expõe a fragilidade de tal argumentação e não explicam a contradição em análise.
Não há como “desqualificar” o sentido da palavra “mal” , nem interpreta-la de forma diferente. Podemos encontrar várias palavras associadas ao conceito de “mal”, tais como: maléfico, perverso, insensível, feroz, impiedoso, cruel, desumano, vil, inclemente, maldoso, odioso. Praticar o mal significa danificar, prejudicar, causar sofrimento e desgraça. Enfim, todo e qualquer sentido que encontremos para “mal” nos remete a ideias negativas, contrárias ao “bem”. Seria possível associar tudo isso a um ser Infinitamente perfeito? Obviamente não!
Conforme já vimos anteriormente, “O infinito de uma qualidade exclui totalmente a possibilidade da existência de uma qualidade contrária que a diminuiria ou a anularia”. Portanto, sendo Deus infinitamente perfeito e infinitamente bom, Ele não pode ter a menor parcela de maldade.
6. Deus tem compaixão?
Sim:
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“O Senhor é bom para todos; tem compaixão de todas as suas obras. (Salmos 145:9)
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“O Senhor é cheio de misericórdia e compaixão.” (Tg 5:11)
Não:
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“Fa-los-ei em pedaços, atirando uns contra os outros, tanto os pais como os filhos, diz o Senhor. Não perdoarei nem pouparei, nem terei compaixão deles, para que não os destrua.” (Jeremias 13:14)
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“Vai agora e fere a Amaleque, e destrói totalmente a tudo o que tiver. Nada lhe poupes; matarás a homens e mulheres, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.” (1 Samuel 15:3)
Os dois primeiros trechos mostrados acima afirmam que Deus é “bom para todos” e “cheio de misericórdia e compaixão”. A palavra “Compaixão” significa "o sentimento de piedade; e tristeza mediante a dor, miséria ou sofrimento alheio, que desperta a vontade de ajudar e confortar aqueles atingidos pela dor e pelo sofrimento".
Porém, os dois últimos trechos (Jeremias 13:14 e 1 Samuel 15:3), nos apresentam um Deus completamente impiedoso, vingativo, capaz das piores atrocidades, um Deus que não tem piedade e que, ao invés de aliviar a dor e o sofrimento, como faria um ser dotado de compaixão, faz exatamente o oposto, ou seja, inflige dor e sofrimento às pessoas. Portanto, a contradição entre os textos é mais do que explícita.
Conclusão
As ilogicidades apresentadas neste capítulo reforçam a posição de que devemos ser sempre criteriosos para analisar o que, dentro da Bíblia, é real ou fictício, o que merece crédito ou não, para que não sejamos aprisionados por dogmas insustentáveis.
Portanto, devemos estudar a Bíblia, ou qualquer outro livro religioso, sob a luz da razão e do discernimento, e descartar todos os trechos que vão contra a lógica e o bom-senso. Por exemplo, os trechos que mostram Deus como um ser “tirano”, “sanguinário”, capaz de ordenar, sem qualquer demonstração de piedade, o massacre, até mesmo seres inocentes, como crianças e animais, realmente não pode ser levado a sério, a não ser que consideremos que Deus está em um patamar de imperfeição semelhante aos seres humanos, o que é obviamente inadmissível.
Assim, para que se possa ter este discernimento no entendimento da Bíblia, é necessário que enxerguemos a interferência humana na mesma, o seu caráter “disciplinador” no contexto histórico do povo Judeu primitivo e, o mais importante, é necessário estar livre de um grande dogma: De que tudo o que nela está escrito foi ditado pelo próprio Deus e deve ser interpretado rigorosamente de forma literal. Ora, se assim fosse não encontraríamos na Bíblia sequer uma única contradição!