Ilogicidade da Impunidade na Justiça Divina
“A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade”.
(Cesare Beccaria)
Neste capítulo analisaremos a teoria existente nas Doutrinas Cristãs de que a Justiça de Deus poderia permitir a impunidade caso uma pessoa se arrependa de seus pecados antes da morte. Em primeiro lugar, precisamos considerar que a impunidade é incompatível com o próprio conceito de Justiça, que é “a virtude que consiste em dar a cada um de acordo com seu merecimento”. Dentro de qualquer sistema judiciário, se um indivíduo comete um delito e consegue sair impune, deixando de responder pelo mesmo, pode-se dizer que houve uma falha na aplicação da Justiça. Portanto, podemos dizer que a impunidade é completamente incompatível com a Justiça.
Imaginemos como exemplo o caso de um perigoso criminoso, que é capturado após uma vida inteira de prática de crimes hediondos, entre eles assassinatos, estupros, tortura etc. Suponhamos que, dias antes do julgamento, tal criminoso “arrepende-se” de seus crimes. Então o Juiz, tomando conhecimento de seu arrependimento prévio, absolve-o de todas as acusações, simplesmente pelo fato de o mesmo ter se arrependido antes do mesmo!
Desta forma, o criminoso não precisaria mais responder pelas mortes e estupros, tudo seria absolutamente esquecido. Perguntamos: A decisão do Juiz seria justa? Teria sido praticada a Justiça? Evidente que não! E afirmo que se isto acontecesse em qualquer cidade de qualquer país do mundo civilizado, causaria enorme revolta entre a população de pessoas honestas, que se sentiriam, com certeza, injustiçadas por tal impunidade.
Trazendo esta questão para o âmbito religioso, as doutrinas cristãs, que se baseiam na interpretação literal da Bíblia, defendem que uma pessoa, mesmo tendo cometido os piores pecados, caso se arrependa (antes de sua morte) e “aceite a Jesus”, receberá automaticamente o perdão total, ganhando assim automaticamente a “salvação eterna”!
Porém analisando a questão rigorosamente dentro do conceito mais básico de lógica e justiça, será que poderíamos dizer que o perdão de um criminoso, isentando-o de qualquer tipo de punição ou reparação por seus crimes, seria Justo? A resposta, se for sincera e livre do apego a qualquer dogma religioso, obviamente será Não! Ora, se não poderíamos aceitar tal conduta como justa em um juiz humano e imperfeito, como poderíamos admitir a mesma conduta do Grande Juiz Universal? Defender esta tese seria colocar a Justiça Divina em um patamar muito inferior à Justiça terrena.
Se assim fosse, seria muito simples burlar as Leis Divinas. O pior dos assassinos poderia então viver tranquilamente seu reinado de crimes, postergando seu arrependimentoe sua “conversão” até os momentos finaisde sua vida, garantindo, assim, seu “lugar no céu”, onde iria desfrutar de toda a eternidade, ao lado daqueles que realmente tiveram merecimento, garantido por alguns minutos de arrependimento antes de ser julgado.
A justificativa seria que “Deus praticou o perdão!” Porém perguntamos: “Por que Deus, para praticar uma virtude (perdão) precisaria anular outra virtude (justiça)?” Ou então por que Deus para praticar a Justiça precisaria abrir mão do perdão?
Analisemos as duas situações:
1. Deus condenaria uma pessoa eternamente porque a mesma cometeu erros durante a vida, e não se arrependeu antes da morte. Então Ele estaria aplicando a Justiça, mas não o perdão!
2. Deus perdoaria uma pessoa porque a mesma, embora tivesse cometido os piores crimes durante a vida, arrependeu-se antes da morte. Estaria aplicando o perdão, mas não a Justiça!
Nas duas situações acima, para praticar uma virtude, Deus estaria abdicando de outra. Porém, se Deus, a suprema perfeição, falhasseem qualquer uma de suas virtudes, deixando de praticá-la sequer por um milésimo de segundo, então tal virtude teria uma limitação, deixaria de ser infinita. Se assim fosse, Deus não poderia mais ser considerado perfeito, pois deixaria de ter uma virtude em grau infinito.
Se Deus é perfeito, todas as suas virtudes possuem um grau infinito e, assim sendo, ele é suficientemente perfeito para pratica-las em toda sua plenitude, sem que uma venha a impossibilitar ou anular a outra. Esta é a concepção de um Deus realmente “perfeito”.
Na obra clássica “Dos delitos e das penas”, publicada em 1764, que mudou a visão jurídica mundial e é estudada até os dias de hoje, encontramos o seguinte texto: “A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade”. (Cesare Beccaria)
E de fato: A idéia de uma “Punição eterna”, isto é, pessoas queimando no “fogo do inferno” por toda a eternidade como pregam as religiões cristãs tradicionais, impõe às pessoas um grande “temor”, porém a perspectiva da impunidade acaba de certa forma anulando tal temor, pois não importaria o quanto mal alguém praticasse em sua vida, tal pessoa teria sempre a chance de sair completamente impune e escapar da condenação, bastando à mesma que se arrependesse antes da morte.
Análise do argumento lógico
Premissa 1: A Justiça Divina é Perfeita
Premissa 2: A impunidade é completamente incompatível com o conceito de Justiça.
Conclusão: A Justiça Divina jamais poderia permitir a impunidade, pois, se assim o fizesse, não poderia ser considerada Perfeita
Para refutarmos o argumento acima, precisaríamos demonstrar que pelo menos uma das premissas é falsa ou que as premissas não levam à conclusão, ou seja, precisaríamos realizar pelo menos uma das opções abaixo:
1. Demonstrar que a premissa 1 é falsa: Precisaríamos demonstrar que a Justiça Divina não é perfeita e, portanto, poderia possuir falhas, o que vai de encontro ao conceito de um infinitamente Deus perfeito.
2. Demonstrar que a premissa 2 é falsa: Precisaríamos demonstrar que seria possível conciliar “impunidade” com “Justiça”, o que não é admissível pois, ao permitir a impunidade, estaríamos violando o próprio conceito de justiça, que é dar “a cada um conforme seu merecimento”. Portanto, quando há impunidade, é impossível dizer que houve Justiça.
3. Demonstrar que as premissas não conduzem à conclusão: Não é possível questionar a inferência lógica entre as premissas, pois, se a Justiça Divina é perfeita (premissa 1), e a impunidade é incompatível com o conceito de Justiça (premissa 2), deduz-se inequivocamente que a Justiça Divina não poderia jamais permitir a impunidade, ou então seria imperfeita.
Portanto,o argumento acima pode ser considerado válido e consistente, pois suas premissas são verdadeiras e há uma inferência lógica entre as mesmas que levam à conclusão, demonstrando a ilogicidade da teoria que defende a existência da impunidade na Justiça Divina, em que uma pessoa deixaria de responder pelos seus erros pelo fato de ter se arrependido.
Reencarnação & Conceito perfeito de justiça
A Reencarnação é extremamente lógica e em seus preceitos não conseguimos encontrar qualquer incoerência ou contradição. Sob o ponto de vista Reencarnacionista, observamos que a Lei de Deus em hipótese alguma permite a impunidade, pois ninguém consegue jamais escapar à Lei de Causa e Efeito. Tal qual a Lei da gravidade e outras leis físicas que governam o universo, a Lei de Causa e Efeito é uma Lei universal infalível, à qual todos nós estamos sujeitos. Se as Leis Divinas são infinitamente perfeitas e sábias, não é necessário que Deus esteja a todo o momento interferindo, punindo ou condenando quem quer que seja.
No livro “O céu e o Inferno”, de Allan Kardec, um dos livros da codificação espírita, encontramos o “Código Penal da Vida Futura”, que fala sobre a reabilitação moral do espírito:
"16º. O arrependimento é o primeiro passo para o melhoramento. Mas ele apenas não basta, sendo necessárias ainda a expiação e a reparação. Arrependimento, expiação e reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e as suas consequências.
O arrependimento suaviza as dores da expiação, porque desperta esperança e prepara a reabilitação, mas somente a reparação pode anular o efeito ao destruir a causa. O perdão seria uma graça e não uma anulação da falta.”
29º. A misericórdia de Deus é infinita, sem dúvida, mas não é cega. O culpado que ele perdoa não é exonerado, e enquanto não satisfez a justiça sofre as consequências de suas faltas. Por misericórdia infinita, é preciso entender que Deus não é inexorável, e que deixa sempre aberta a porta do retorno ao bem.
O trecho acima demonstra a infinita misericórdia e ao mesmo tempo a infinita Justiça Divina. Realmente o arrependimento é o primeiro passo a ser dado por aquele que errou, mas se bastasse apenas “arrepender-se” e não fosse exigida nenhuma reparação, Deus estaria sendo Misericordioso, mas não Justo. Estaria praticando o perdão, mas não a Justiça. Assim, até mesmo o pior criminoso teria sempre uma chance de sair impune, desde que se arrependesse “até o ultimo minuto”, o que foi demonstrado ser totalmente ilógico e incompatível com a Perfeição da Justiça Divina.
Se houvesse apenas uma vida, não haveria possibilidade de aplicação de uma Justiça perfeita, pois aqueles que fossem condenados eternamente não teriam jamais qualquer possibilidade de redenção e recuperação (Perdão Finito) e aqueles que fossem perdoados devido ao arrependimento iriam ao céu sem quitarem seus débitos com a Justiça (Impunidade). Seriam duas situações opostas, ambas radicais e injustas: “Punição eterna” ou “perdão total”, que colocariam Deus como um ser sujeito a falhas em suas virtudes.
De tudo o que foi exposto acima, podemos concluir que a Reencarnação é a única doutrina capaz de apresentar uma Lei Divina precisa, perfeita, justa e infalível, em que Deus aplica simultaneamente a Justiça e o Perdão: Ao reencarnar, as pessoas estarão redimindo-se de cada erro cometido no passado (Justiça infinita) e, ao mesmo tempo, usufruindo de uma nova chance (Perdão infinito). Desta forma, Deus é Justo ao mesmo tempo em que é misericordioso. Suas virtudes são realmente infinitas.